Desespero de famílias por vaga em UTI causa avalanche de pedidos para internações em MS
A família de Maria José Epifânia Lopes, de 78 anos, aguarda cumprimento de decisão judicial que determinou transferência, no prazo de 24h, da idosa para um hospital. Internada desde o dia 22 de março na UPA Universitário, dona Maria José tem todos os sintomas compatíveis com covid e, embora ainda aguarde o diagnóstico, já precisa ser intubada.
No entanto, o caso de dona Maria José é exceção, já que a maioria das decisões judiciais em Mato Grosso do Sul têm negado os pedidos, por motivos óbvios: o colapso na saúde, que resultou na superlotação dos leitos clínicos e de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) tanto na rede pública como particular, é a principal consequência do descontrole da pandemia, atualmente.
A judicialização é apenas um dos sintomas do caos que se instalou com o crescimento da covid em MS: assim como a família de dona Maria José, dezenas de outras também se viram diante da necessidade de mover ação judicial para ter cumprimento de resolução que ordena transferência de pacientes graves em pronto-atendimentos a leitos intensivos em hospitais no prazo de 24h. Recorrer à Justiça é um ato de esperança e, ironicamente, de desespero, nessa corrida pela vida.
Os casos semelhantes aumentaram à medida que a taxa de ocupação dos leitos de UTI se agravava. De março até esta data, 5 de abril de 2020, pouca coisa mudou nos indicadores e a superlotação das UTI ainda é alarmante, com 135 pacientes na fila, à espera por leitos clínicos e de UTI. Segundo os dados divulgados pela SES (Secretaria de Estado de Saúde), o número parcial de pacientes que aguardam um leito intensivo é de 80. Muitos morrem antes que a vaga surja.
Em relação às internações, MS tem 1.291 pacientes hospitalizados, dos quais 741 estão em leitos clínicos (439 públicos e 309 na rede privada) e 550 em leitos de UTI (dos quais 390 estão em leitos públicos e 160 em privados). Somente na macrorregião de Campo Grande, a taxa de ocupação dos leitos intensivos é de 107%, ou seja: há mais gente internada do que a estrutura é capaz de suportar, oficialmente. O excedente da capacidade, no caso de lotação acima de 100%, representa pacientes em leitos covid ainda não habilitados pelo SUS, mantidos pelas secretarias municipais e estadual de saúde.
Avalanche de pedidos
Conforme dados parciais da Defensoria Pública de MS, somente no mês passado, pelo menos 21 ações de obrigação de fazer com pedido de tutela provisória de urgência – solicitando transferência de pacientes pronto-atendimentos para hospitais – foram ingressados nos plantões judiciários. A maioria deles, porém foi negado.
Isso porque, no entendimento dos juízes, pouco se pode fazer. A família de dona Maria José, por exemplo, teve negativa do pedido em primeira instância. No caso, o magistrado Cássio Roberto dos Santos pontuou, durante o plantão, existência de “situação extremamente grave enfrentada neste momento pelo sistema de saúde brasileiro como um todo, decorrente do significativo e constante aumento no número de casos e mortes causados pelo Sars-Cov-2”.
Para o magistrado, a situação incorreu na sobrecarga de maneira extrema nos hospitais de todo país, seja em Mato Grosso do Sul ou em outros estados, seja na rede pública como na particular.
“Sobre este prisma, tenho que a prova dos autos não é suficiente para justificar a necessidade de imediata transferência solicitada, a míngua de demonstrativo e até de alegação de preterição com base em preceitos técnicos”, pontuou a decisão que não viu a cumprimento de requisitos para ordenar a tutela de urgência.
Negativa praticamente idêntica, assinada pelo mesmo magistrado, também consta em ação movida pela família do aposentado Eduardo Nunes de Amorim, de 72 anos. O paciente, que também está na UPA Universitário, em Campo Grande, é considerado caso grave de covid-19 e aguarda transferência para um hospital desde o último dia 28. No plantão, a ação movida pela Defensoria Pública teve resposta negativa publicada no último dia 2 de abril, com repetição do mesmo argumento dado à família de dona Maria José. O magistrado cita os dados divulgados pela SES que comprovam o caos instaurado e a impossibilidade de cumprir a decisão.
Exceção a regra – vale lembrar – dona Maria José felizmente obteve decisão favorável. Após recorrer no mesmo dia, a Defensoria obteve ordem, assinada pelo desembargador Zaloar Murat Martins de Souza, que deferiu a tutela recursal.
Conforme os autos, no prazo de 24h a contar da notificação, o município de Campo Grande precisa garantir a transferência da idosa para hospital, “inclusive com Centro de Terapia Intensiva (CTI) ,se necessário, ou, caso inexista vaga na rede pública, em Hospital Particular congênere ou em outras cidades do País, sob pena de multa diária de R$ 5 mil, até o limite de R$ 60 mil“, traz a decisão. A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) aguarda a notificação.