Em Campo Grande, Ministério Público pede prisão de PMs após reclamação de traficantes

Policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul quase foram parar na cadeia e estão ‘proibidos’ de realizar o policiamento no Jardim Aeroporto e na Vila Popular, bairros da região oeste de Campo Grande.

O pedido da prisão de PMs foi feito pelo Ministério Público Estadual de MS e vazou para moradores, que reclamam.

“Só faltava essa. Agora entregaram o bairro para os traficantes. Esse povo já é abusado, e agora andam por aí falando que estão com apoio forte da promotoria e que ninguém pode mexer com eles”, relata um comerciante de um dos bairros que conversou com o Jornal Midiamax.

O caso começou quando os policiais realizaram abordagem a um casal suspeito de atuar no tráfico de drogas. Eles acabaram na casa da família, que acusou os policiais de abuso e agressão. Segundo o relato do casal, havia crianças na casa e os policiais do Choque foram violentos.

Assim, de suspeitos, os dois, que têm passagem por narcotráfico, viraram vítimas. Eles denunciaram o caso e o Ministério Público de Mato Grosso do Sul pediu a prisão dos policiais.

O juízo da Auditoria Militar não aceitou o pedido da promotoria para colocar os policiais atrás das grades, mas aplicou medidas que restringem temporariamente a ação dos quatro servidores públicos estaduais da segurança pública na região.

Foi o suficiente para que as ‘vítimas’, segundo relatos de comerciantes que atuam nas imediações, supostamente comentassem a ‘blindagem’, em tom de comemoração.

A decisão judicial impede os quatro policiais militares do Batalhão de Choque de realizarem policiamento ostensivo nas imediações do Jardim Aeroporto e da Vila Popular.

PCC se preocupou à toa

A reportagem foi informada que representante da defesa das ‘vítimas’ teria participado apenas dos procedimentos iniciais, mas optou por não ingressar como assistente de acusação no processo contra os policiais, para evitar risco de sofrer eventuais ameaças.

Há informações de que membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) teriam feito represálias.

Presos ligados à facção estariam contrariados com o episódio todo, pois temeriam que a denúncia e a rusga com os policiais poderiam causar represália por parte da PM, prejudicando as atividades na região.

Mas, o efeito foi contrário.

Alguns moradores confirmaram para o Jornal Midiamax que as viaturas não estariam transitando com a mesma frequência nas ruas da região oeste de Campo Grande após o rumor do pedido da prisão de PMs. Segundo eles, foi o suficiente para a criminalidade se ’empolgar’.

À reportagem, o comando da Polícia Militar de MS evitou comentar a posição do MPMS e se limitou a informar que ‘cumpre na integralidade todas as determinações judiciais’.

O Ministério Público Estadual de MS também foi acionado em contatos documentados para se manifestar sobre os efeitos do pedido de prisão dos policiais desde 15 de junho, mas não respondeu.

Decisão teria rendido ‘orientação’ a PMs

Ao avaliar o caso, o juiz Alexandre Antunes de Oliveira entendeu não haver elementos suficientes e negou o pedido da prisão dos PMs, mas aplicou medidas restritivas.

Entre elas, consta que os policiais estão proibidos de ‘se aproximar dos ofendidos descritos no processo, de seus familiares e das testemunhas arroladas na ação, no limite mínimo de 500 metros’.

‘Estão proibidos de manter qualquer tipo de contato com os mesmos e não podem tirar serviço nas áreas de atuação compreendidas pelas residências das vítimas e testemunhas desse processo’, diz a decisão sobre os policiais de Campo Grande.

Ainda segundo a decisão, o descumprimento das medidas restritivas aplicadas poderá acarretar conversão em prisão preventiva.

O magistrado diz que não há relação entre a decisão e a suposta redução no policiamento dos bairros denunciada por moradores.

“Como a situação limita-se a apenas quatro policiais e envolve pessoas específicas da comunidade que são ofendidos ou testemunhas desta ação, logo, torna-se evidente que a decisão do magistrado não é capaz de causar um impacto significativo no policiamento da região”, respondeu o juiz por meio da assessoria de imprensa do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

No entanto, segundo apurado pelo Midiamax, teria, de fato, ocorrido uma ‘orientação’ para que os policiais do Choque evitem a região. Seria ainda uma forma de ‘protesto’ contra o pedido da prisão de PMs por parte do MP.

Oficialmente, ninguém confirma. Mas, colegas dos policiais militares implicados no caso defendem que houve, segundo eles, excesso na denúncia.

Prisão de PMs: “medida protetiva para traficantes”

“Infelizmente a gente está até acostumado com a prisão de PMs em MS. Não tem que passar a mão na cabeça, mas quando os caras estão em coisa errada como corrupção. Agora, é muito ruim a ameaça por fazer o nosso serviço. A palavra de dois pebas valer mais que a de 4 policiais desestimula”, avalia um oficial.

“Se os caras pegam essa criança, levam ela na frente do juíz e põem ela pra falar que viu uma viatura do choque muito perto de casa, os policiais já correm risco sim de serem presos. Não tem como negar que engessa um pouco o policiamento ostensivo na localidade”, comenta um praça, colega dos policiais que tiveram a prisão pedida pelo MPMS.

“A gente sabe que o controle externo da atividade policial é importante para os caras não perderem o controle, mas esse tipo de atitude dos promotores, desproporcional e sem levar em conta com quem estão lidando, desestimula qualquer um. É como uma medida protetiva para os traficantes contra PMs. A quem interessa isso?”, questiona o policial.

Traficantes usam pedido da prisão de PMs

Enquanto isso, há relatos, inclusive, de comemoração por parte dos traficantes na região.

Como a propaganda é a alma do negócio também no narcotráfico, o que teria chegado a alguns moradores da região, no entanto, é de que ‘a Promotoria proibiu o Batalhão de Choque de mexer com os traficantes da região’.

Comerciantes que aceitaram conversar com a reportagem confirmam a conversa e dizem que ficaram apreensivos quando souberam do pedido da prisão de PMs. Segundo eles, os criminosos da vizinhança estariam ‘se aproveitando’ da decisão.

“Aumentou demais a movimentação nas bocas de fumo. Daí, aumentam os roubos, os furtos. Piora tudo pra quem é trabalhador. Parece que estão agindo livremente e se continuar assim, vamos ter uma cracolândia mandando no bairro em breve”, relata morador da região há mais de 30 anos.

Crianças na boca de fumo: tática antiga

Os fatos vieram à tona no dia 21 de junho do ano passado. Consta nos autos que, naquela ocasião, os policiais de serviço avistaram um suspeito consumindo entorpecentes em frente a um imóvel na Vila Popular.

O homem, que atuava como guarda municipal e já tinha histórico de envolvimento com o tráfico, foi abordado pelos policiais.

Em seguida, os militares foram à boca de fumo onde o usuário teria comprado a droga. Lá, morava um casal que estava no local com uma criança. Todos os adultos foram revistados e entrevistados, até porque assim como o usuário, o morador também já tinha passagens pela polícia.

O dono da casa onde funcionava a suposta boca de fumo já tinha passagens pela polícia.

De acordo com o MPMS, os policiais usaram ‘força excessiva’ e agrediram os envolvidos na presença da criança. Por isso, foram alvos de investigação por parte do Gacep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial).

Nos morros do Rio de Janeiro não é nova a tática de criminosos usarem crianças como forma de ‘escudo’ para a repressão policial. Também é o que acontece quando famílias envolvidas com o crime levam o narcotráfico para dentro de casa onde moram crianças, ou recrutam menores para o ‘corre’.

Casos de exposição de menores a situações de vulnerabilidade devem ser encaminhados para autoridades fazerem valer o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

No entanto, não há nos autos detalhes sobre as medidas que o MPMS tomou para assegurar os direitos da criança que supostamente convive com o narcotráfico realizado pelos pais.

Já contra os policiais, o MPMS apresentou denúncia de tortura, injúria, violação de domicílio e lesão corporal na Vara da Auditoria Militar de Campo Grande e pediu a prisão preventiva dos quatro.

Comando reforça que abordagens vão continuar

Apesar de evitar comentar o caso específico do pedido da prisão de PMs, a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) defende a legitimidade das abordagens policiais como forma de coibir o avanço do narcotráfico nos bairros de Campo Grande.

“Quando a polícia não age, o crime se fortalece, impactando diretamente na segurança de todos com o aumento de mortes violentas, furtos, roubos e tráfico de drogas, por exemplo”, afirma o secretário de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antônio Carlos Videira.

Ele ainda disse que o posicionamento em defesa das abordagens e revistas policiais é reforçado pelo Consesp (Conselho Nacional de Secretários de Estado de Segurança Pública).

Em nota, a entidade explica que ambas fazem parte das atribuições legais da profissão e independem de mandado. “De acordo com o artigo 244 do Código Penal, a abordagem independe de mandado ‘quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papeis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar'”.

Em decisão recente, os ministros do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) entenderam que a chamada busca pessoal, abordagem ou revista, feita por agentes de segurança é ilegal, caso seja realizada sob a alegação de atitude suspeita ou mesmo a partir de denúncias anônimas.

A situação, inclusive, pode aumentar os casos que levem ao pedido de prisão de PMs.

Videira, que representa a região Centro-Oeste no Consesp, reforça que o Conselho respeita a decisão do STJ, mas afirma que a não realização de revistas a partir do recebimento de denúncias anônimas ou fundadas suspeitas dos policiais, colocaria em risco a segurança da população como um todo.

Fonte- Jornal Midiamax.

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