Apuração aponta que TCE pagou R$ 80,7 milhões a empresa que contratou parentes de conselheiros
Despacho do STJ (Superior Tribunal de Justiça) mostra que empresa contratada pelo TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul), com recursos recebidos na ordem de R$ 80 milhões, contratou pessoas vinculadas a conselheiros da Corte Fiscal e a políticos locais, para desempanhar funções as quais sequer tinham conhecimento técnico.
“Apontando se tratarem de funcionários “fantasmas” para o superfaturamento dos contratos firmados com as citadas empresas (peculato, previsto no Art. 312 do Código Penal) e consequente pagamento de propinas (corrupção passiva, prevista no Art. 317 do Código Penal)”, traz um dos trechos do documento.
A informação está no relatório do ministro do STJ, Francisco Falcão, que autorizou buscas e cumprimento de mandados da Operação Mineração de Ouro, a partir de investigações da PF (Polícia Federal) sobre suposto envolvimento dos conselheiros da Corte Fiscal, Waldir Neves, Osmar Jeronymo e Ronaldo Chadid.
Segundo os autos, a empresa Dataeasy Consultoria e Informática recebeu R$ 80.743.353,78 entre 2018 e 2020. Contrato de n° 003/2018, entre TCE-MS e a empresa, foi firmado em 21 de janeiro de 2018, com valor inicial de R$ 21.500.000,00, prazo de 12 meses e objetivando ‘contratação de empresa prestadora de serviços de apoio técnico às atividades de tratamento das informações’.
No decorrer da investigação, e junto com a Controladoria-Geral da União, foi identificada relação do conselheiro Osmar Domingues Jeronymo com Pedro Bedoglim Junior, que figurava no quadro de funcionários da empresa de consultoria em informática. Segundo o relatório, as diligências ‘indicam a possível prática de desvio de recursos públicos de lavagem de dinheiro’.
Outro dado que demonstra incongruência é o número de funcionários que a Dataeasy passou a ter após a assinatura do primeiro contrato com o TCE. De 34 em 2017, chegou em 118 no ano seguinte. “Ainda, desses 118, apenas 18 já estavam trabalhando na empresa ou já haviam trabalhado nela antes, ou seja, foram contratados 100 novos funcionários nesse ano. A média do número de funcionários da empresa entre os anos de 2007 e 2017 foi de apenas 26”. Tais informações mostram ‘o impacto do contrato firmado com o TCE’.
Sem conhecimento técnico
A nota técnica cita que há ‘fortes indícios’ de que as pessoas contratadas pela empresa não tinham conhecimento técnico na área, o que reforça a tese de contratação fantasma para o ‘superfaturamento dos contratos firmados com as citadas empresas’. Um dos contratados é advogado, Willian das Neves Barbosa Yoshimoto, segundo consulta no Diário da Justiça de Mato Grosso do Sul, com movimentações em processos judiciais recentes, bem como no site Escavador, que apontou 114 processos relacionados ao profissional da área jurídica.
“Apesar de ser advogado ativo, ele foi admitido na DATAEASY em 05/03/2018 como administrador de redes e de sistemas computacionais com a maior remuneração da empresa, sendo que seu último salário base registrado (dez/2019) foi de R$ 15.194,00, valor que nunca havia sido registrado pela empresa antes, para nenhum funcionário”.
O advogado é filho do primo de Waldir Neves, conselheiro do TCE, e também aparece como sócio da Mineraodra Betione, ’empresa da qual o irmão de Waldir Neves, Vanildo Neves Barbosa, é sócio’. Terceiro sócio da mineradora é João Nercy Cunha Marques de Souza, servidor comissionado do TCE-MS desde 2014 no cargo de assessor de direitoria, cujo salário em 2018 era de R$ 18.041,00.
Além dele, ao menos mais 8 pessoas teriam sido contratadas sem ter conhecimento na área. Algumas delas já possuíam vínculo anterior com a Corte Fiscal, seja como comissionadas ou por meio de empresas contratadas para serviço – neste sentido, são citadas a Cast Informática S/A e Seleta Sociedade Caritativa e Humanitária.