O que a ciência já sabe sobre a relação entre Covid-19 e grupos sanguíneos
Compreender os fatores que podem ser determinantes para o desenvolvimento de uma infecção é uma estratégia essencial para o enfrentamento de qualquer doença. Desde o início da pandemia de Covid-19, cientistas em todo mundo investigam as diferentes maneiras que o SARS-CoV-2 afeta o organismo humano. Parte dessas pesquisas considera se os diferentes grupos sanguíneos (A, B, AB e O) podem ter papel relevante diante da Covid-19.
Segundo especialistas consultados pela CNN Brasil, não há um consenso entre a comunidade científica, até o momento, sobre a relação entre os diferentes tipos de sangue e questões-chave como a capacidade de infecção pelo vírus, o agravamento da doença e o risco de morte. Mas a ciência já tem algumas pistas que ajudam a responder às dúvidas mais comuns:
1 – Pessoas do grupo sanguíneo tipo A têm maior chance de infecção pela Covid-19 do que os demais?
Parcialmente verdade. Em março de 2020, no início da pandemia, um dos primeiros estudos sobre o tema, conduzido por pesquisadores da China, indicou que haveria uma chance maior de infecção pelo novo coronavírus entre os indivíduos com sangue tipo A, enquanto pessoas com sangue tipo O foram consideradas, inicialmente, mais protegidas. A pesquisa avaliou 2.173 pacientes, de três hospitais em Wuhan e Shenzhen.
A pesquisadora Marília Rabelo Buzalaf, do Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP), chama atenção para um estudo mais recente publicado no periódico científico Annals of Hematology, em março, que apresentou uma revisão da literatura com base em 23 pesquisas que avaliaram a associação entre os tipos sanguíneos e a Covid-19.
“A revisão concluiu que a maioria dos estudos relata que o maior risco de suscetibilidade à infecção está nos indivíduos do tipo A. Alguns estudos apontam que as pessoas do grupo sanguíneo B também são mais vulneráveis. Por outro lado, o grupo sanguíneo O está mais protegido contra a infecção por Covid-19”, explica Marília.
Já outro estudo realizado por cientistas norte-americanos publicado no periódico Journal of the American Medical Association (JAMA), no dia 5 de abril, apontou que não foram encontradas quaisquer associações específicas entre o grupo sanguíneo e a doença.
Para a pesquisadora Cynthia Cardoso, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a variação da frequência dos grupos sanguíneos entre as diferentes populações e a forma como os estudos são estruturados dificultam a formação de um consenso sobre a questão.
“Para se ter certeza de que existe um risco aumentado de qualquer grupo sanguíneo contrair a infecção, seria preciso ter uma população controlada, igualmente exposta e com todos os grupos sanguíneos bem representados. Um estudo com uma população naturalmente exposta, como profissionais de saúde, por exemplo, poderia esclarecer se há realmente uma frequência maior de infectados entre aqueles que são do grupo A”, ressalta.
2 – O tipo sanguíneo é um fator relevante para o agravamento da doença?
Parcialmente verdade. A correlação entre o tipo sanguíneo e a gravidade ou mortalidade por Covid-19 é ponto de divergência entre diferentes grupos de pesquisa. No artigo de revisão publicado na revista Annals of Hematology, a maior parte dos estudos aponta que os tipos A e AB têm um risco maior de agravamento, enquanto o tipo sanguíneo O tem menor risco de doença grave ou morte.
Um amplo estudo de associação genômica publicado na revista The New England Journal of Medicine, em outubro de 2020, identificou uma relação entre quadros de insuficiência respiratória e polimorfismos (variações fenotípicas) em uma região específica do genoma e um potencial envolvimento dos grupos sanguíneos. O trabalho reuniu quase 2 mil pacientes de sete hospitais localizados na Itália e na Espanha.
Os pesquisadores observaram uma associação das falhas respiratórias com a presença de polimorfismos em uma região específica do genoma. Pessoas com o tipo sanguíneo A, que tinham esse polimorfismo, tinham também mais chance de apresentar falha respiratória, enquanto as do grupo O, se mostraram mais protegidas em relação à insuficiência.
“Esse é mais um dado a favor da existência de uma associação entre o grupo sanguíneo e as chances de agravamento da Covid-19, que corrobora os dados epidemiológicos que os outros estudos têm mostrado”, afirma Marília.
A pesquisadora da UFRJ, Cynthia Cardoso, reitera que os resultados encontrados ainda são conflitantes. “Não existe um consenso. Não conseguimos afirmar que um determinado grupo sanguíneo é fator de risco para o desenvolvimento de formas mais severas da Covid-19, para uma chance maior de internação ou de intubação”, afirma.
3 – O tipo sanguíneo está relacionado a mais casos de reinfecção?
Mito. Segundo os especialistas, não há nenhum estudo científico que apresente dados sobre a relação entre o grupo sanguíneo e os casos de reinfecção.
4- Devo me preocupar com meu tipo sanguíneo em relação à Covid-19
Mito. Para a pesquisadora da UFRJ, o cuidado com a Covid-19 deve ser reforçado por indivíduos com comorbidades comprovadas cientificamente como fator de desenvolvimento da forma grave da doença.
“Existem muitos outros fatores com impacto significativo para o risco de doença grave que já são conhecidos, como idade avançada, cardiopatias, diabetes e obesidade mórbida. Todos esses fatores têm uma contribuição muito mais evidente no desenvolvimento de formas graves da Covid-19″, afirma.
A pesquisadores reforça que com o conhecimento apenas do grupo sanguíneo não é possível dizer se uma pessoa está mais protegida ou mais vulnerável. O cuidado e a prevenção devem ser os mesmos.
Para o médico Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), independentemenrte do grupo sanguíneo, o momento exige o reforço por toda a população dos cuidados de prevenção, que incluem a lavagem regular das mãos, o uso correto de máscaras, a higienização das mãos com álcool gel e a manutenção do distanciamento social.
“Alguns estudos mostram que o SARS-CoV-2 poderia se prender mais facilmente nas células das vias aéreas de pessoas do tipo sanguíneo A, em comparação a outras com tipo sanguíneo B ou O. No entanto, ainda não se pode afirmar com certeza pois são resultados preliminares. Outros estudos estão sendo feitos para elucidar essa questão”, conclui.