Desigualdades fazem parte da carreira de mulheres cientistas, nota astrônoma brasileira

Daniela Lazzaro é vice-presidência da União Astronômica Internacional, uma das poucas mulheres cientista a ocupar um cargo de presidência em uma grande instituição de pesquisa. Neste Dia Internacional da Mulher em plena pandemia de coronavírus, a RFI homenageia as mulheres na ciência, uma carreira nem sempre aberta facilmente para elas. A redação em português brasileiro escolheu conversar com a astrônoma Daniela Lazzaro, que exerce atualmente a vice-presidência da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês). “Eu sempre digo às meninas: não deixem ninguém dizer que você não é capaz”, afirma a cientista do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro.
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Daniela conta que, ao longo da carreira, perdeu as contas de quantas vezes foi interrompida por colegas homens enquanto falava ou teve a competência questionada pelos seus pares masculinos. Também se acostumou a escutar comentários que minimizam a sua área de atuação, ao confundi-la com astrologia e as previsões de horóscopo.
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“O pessoal acha que a astronomia até combina com mulher porque trata dos astros. Tem uma visão romântica, de ‘ah, é mulher, vai olhar estrelas’. Nem pensa que é matemática pura”, nota a especialista em pequenos corpos do sistema solar, como asteroides e cometas. “Se você comparar com as físicas, tem uma porcentagem muito maior de mulheres astrônomas do que físicas.”
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Na esteira das conquistas femininas nos últimos anos, 2020 foi um ano divisor de águas no Prêmio Nobel, com quatro mulheres agraciadas – algo inédito na premiação, que, desde a sua criação, em 1901, só recompensou 48 pesquisadoras, o que representa menos de 5% do total. A maioria delas foi reconhecida pelos trabalhos em química, a exemplo da francesa Marie Curie, duplamente vencedora da distinção.
“Se você tem força de vontade, você acaba aprendendo a lidar com isso, e depois de um certo tempo, você também aprende a lutar para que isso mude, para que o mundo científico seja igual ao mundo real, ou seja, com metade mulheres e metade homens”, comenta Daniela. Ela nota que, na medida em que avançou na carreira, as disparidades se tornaram maiores – não necessariamente em nível salarial, mas no acesso aos cargos de direção, em geral destinados aos colegas masculinos.
Carga familiar pesa no avanço da carreira
A cientista ressalta que ambos têm as mesmas capacidades intelectuais para a área científica, entretanto elas ficam em desvantagem ao terem de conciliar a carreira com a vida familiar, em especial quando têm filhos. “Elas têm uma carga familiar muito maior do que os homens, e isso tem que ser levado em conta, e não simplesmente o fato de que é uma mulher. Ela é capaz de fazer aquele trabalho como um homem, mas às vezes ela não é tão capaz porque teve filhos e teve de cuidar deles”, diz. “Não quero ser contratada só porque sou mulher, mas sim porque sou boa no que eu faço. Mas preciso ter as condições para poder fazer esse trabalho”, reitera.
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Neste sentido, a astrônoma busca estimular desde cedo as alunas da graduação a seguir no mestrado e doutorado – a própria IAU tem um programa de incentivo às mulheres na ciência. Conforme o site do Observatório Nacional por exemplo, dos 20 professores titulares do programa de pós-graduação em astronomia e astrofísica, apenas três são mulheres, incluindo Daniela.
Enfrentar o preconceito
A pesquisadora também aborda o preconceito com o qual as jovens cientistas vão acabar, cedo ou tarde, se deparando na carreira. “É o que eu sempre digo para as minhas alunas: isso vai acontecer. Não tem como. Mas você não pode levar isso para casa. Você não vai assimilar aquilo e pensar ‘será que eu realmente não consigo fazer?’”, relata. “E para os homens também é melhor ter mais mulheres. A gente às vezes olha as coisas de uma forma diferente. Não é melhor, nem pior. E às vezes é essa diferença que faz toda a diferença.”
A pesquisadora conta que sempre teve apoio da família para seguir nas ciências exatas, apesar do ceticismo de um professor da escola, diante das dificuldades da menina Daniela decorar a tabuada. “Ele chamou a minha mãe e disse que eu não seria nada na vida, que eu terminaria o segundo grau, mas não tinha competência nenhuma para fazer nada. Mais tarde, eu acabei entrando na área mais matemática da astronomia, a dinâmica”, sublinha a astrônoma.
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